quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

CORPO


O desejo flutua em mim e faz o corpo de oceano, afoga-me no exagero molhado, arrasta-me, seduz, e com o meu canto te trago aqui e ofereço-te silêncio, a oferenda sou eu, a correnteza te leva aos meus pés e no encontro nasce um Jasmim, a morte que em mim carrego.

domingo, 24 de outubro de 2010

Despida


O corpo que transborda dúvida sufoca palavras.E a linha que me mantem presa à você é a mesma que nos separa. E as fantasias estão todas nela penduradas, para que a brisa quente do verão, aqueça as linhas costuradas pela mão que um dia sonhou usá-las. E no encontro das bocas, escuta-se a palavra negada, e a fantasia mais bela é a que não foi usada.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Quiroda


E em uma roda de sons e sensações, tonteio a minha lucidez, cai ao chão os panos que me cegaram, e vertiginosamente reconheco o novo, o novo que há muito vive em mim, e que pensava não mais saber dançar. O novo dança e deixa o velho embasbacado.O velho não tem força para impedir, e o novo sorri e zomba da mediocridade catatônica.E no olho que não é meu, estou eu a existir, no olho que ja não é olho, pois já não há palavras, ja não há nomes, não há ninguém, só há o que soar o sonho em mim.

sábado, 21 de agosto de 2010

só-l


Tela: Irrealidades - Nela Vicente

Um sol nasceu em mim,
secou as lágrimas que molhavam a alma
e clareou os sonhos na escuridão.
Um sol nasceu em mim,
e fez brotar arvóres que me servirão de abrigo na próxima tempestade.
Um sol nasceu em mim,
e logo precisa se pôr pra que eu possa voltar a dormir.
Um sol se pôs em mim e me fez noite.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

beija-flor

Amor que escorrega pelos dedos,
que escapa pelas frestas.
Amor que rasteja pelos cantos e contos.
Amor que não se anuncia.
Amor de Narciso.
Amor beija-flor
Amor, flor encantada, com o beijo se perdeu.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Alimento


Tenho dormido com Clarice, sonhado com Fernando,tenho acordado com a voz de Chico ao pé do ouvido, tenho almoçado na companhia de Adélia e dançado ao som dos bandolins de Oswaldo.Tenho a casa cheia, a alma alimentada e o desejo solto, como fera faminta, que se alimenta de arte. A arte de ser

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Doce Companhia.


Que o meu sorriso não seja lembrado com tristeza, e nem que as minhas lágrimas deixem de molhar as rosas do jardim que vive em mim. Que os espinhos sejam encantados pelo perfume das flores, e que a dor não cesse para que eu não me esqueça de mim, e nem de você.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Melado

Se eu ao menos soubesse o que me faz querer parar de beber com o copo ainda cheio de vinho, sem sentir a embriaguez doce e a ressaca doída. Eu que já não sei em que página parei do livro que me dera tanto prazer, eu que apenas o fechei e o coloquei na cabeceira da cama, assim a vigiar meu sono, e a me proteger dos pesadelos.
A sensação de vazio enche o meu corpo, a minha alma já não tem lugar, vaga pelos pensamentos tortos e escuros. O corpo já não a espera, sabe que não pode mais abrigá-la, esta sou eu, um corpo vazio que sangra , uma alma perdida que chora. Chora por não saber coisa melhor.
Já não me sou uma boa companhia, porque não me deixo esquecer, os fracassos que me marcaram, os sonhos que me iludiram e os desejos pisoteados. Me perdi, perderam-me também, na encruzilhada onde permaneço sentada gozando do trabalho despachado.
Permaneço, sentada, atada, a esperar que um buraco se abra aos meus pés e que lá encontre um coelho de cartola que me conduza ao país das maravilhas e que eu volte a ser grande, já não suporto me sentir pequena e frágil. Enquanto isso tomo chá adoçado com o mel que jorra do coração, um coração que já foi de pedra.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Deus Tempo

Tenho passado os dias, tentando controlar o ponteiro do relógio da sala da casa, com olhos aflitos. Acelerando e retardando as horas. Horas que não me deixam esquecer o que não fiz das estações. Estações que não me permitiram florescer, e que não deixaram que mãos de noiva me carregassem para o altar em um belo arranjo.O Deus revela sua ira.

Rasgos de uma carta de amor.

"Eu conheço a dor insuportável que se sente ao perder alguém, mas não alguém que foi embora e não se sabe quando voltará, mas alguém que continua onde sempre esteve, em pé, parado, no mesmo lugar, alguém que se amou tanto que não se consegue apagar, e que pemanece ali do lado, como um móvel velho e pesado no meio da sala, onde insisto em tropeçar(...)"

"(...) a cada dia morro um pouco mais tentando te matar em mim."

"Apaguei todos os números da agenda,queimei fotos, rasquei cartas trocadas e, tudo parece rir da minha ingenuidade, as lembranças, não as faço calar, o esforço para esquecer, só não é maior que o desejo de lembrar."

"(...) tenho minunciosamente planejado os desencontros, sem me ater que é assim que te encontro. Encontro-te no vinho bebido, no perfume inalado,na cama desarrumada, na mania detestável,encontro-te a onde me falta, no beijo roubado, no amor negado."

"Preciso fazer as pazes com que vivi, enterrar o rancor para ressuscitar a vontade de amar novamente.Tenho saudade da sua pele, do desenho das suas costas,do teu cheiro,da minha pele na tua, do meu cheiro no teu.
Tenho saudade de acreditar na felicidade,de gozar da simplicidade e de me embriagar de você."

"Nosso amor foi uma rosa pisoteada, que sobraram apenas espinhos, meu dedo sangra, meu coração sangra. Sigo te odiando, finjindo não saber que foi a forma que encontrei de lhe dizer que ainda te amo"

"Carta encontrada em uma garrafa no Rio Grande, data e origem desconhecida."

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Divã de Freud

Divãneio

Preciso começar a minha análise pessoal, já não posso mais adiá-la, tenho sentido o gosto amargo da palavra presa na garganta. Não pretendo encontrar a verdade, mas as verdades que em mim moram, quero saber desta coisa que me movimenta e que não se revela, conheço suas pegadas, mas nunca vi seus pés.

Confesso, que já tentei me analisar parada a olhar para um espelho, e me senti vazia, nada vi, nada ouvi e nada disse.Vi um rosto também querendo respostas e, eu não as tinha, ao menos ainda não. Tenho medo, talvez por isso tenho adiado tanto, medo do que posso descobrir, onde vou colocar as minhas certezas, as que tem me segurado de pé, teimo não conseguir parar sozinha. Tenho sonhado com um divã, recuso –me a deitar, quero estar de pé quando descobrir as minhas verdades, engolir seco e fazer um poema das palavras ditas.

Crio coragem, procuro no classificado um analista, marco um horário: Segunda-feira, às 17:00 horas, Segunda é um bom dia para começar, todo mundo tenta ser feliz na Segunda, acordo com um embrulho no estômago, não consigo tomar meu café, tomo um banho, vou para frente do espelho embaçado pelo vapor quente, preciso me preparar para o encontro, ensaio algumas frases, tenho tudo pronto, vou dizer ao meu analista que é culpa do Complexo de Édipo, ouvi isso de uma moça no restaurante, quero que ele me ache interessante, não posso parecer burra, as horas não passam, já refiz meu discurso, e ainda não está bom, ele não vai gostar, preciso ser mais profunda. São 16 horas, não sei se devo chegar atrasada ou antes da hora marcada, se me antecipo ele vai achar que estou desesperada, mas se me atraso, pode tomar como uma afronta, melhor chegar na hora marcada. Chego ao endereço indicado, entro, mas antes vejo se não há nenhum conhecido na rua, o que eles iam pensar? Entro, o lugar está vazio, logo me aparece um jovem de roupas coloridas, assusto-me, onde está o velhinho fumando charuto? O jovem se apresenta como meu analista, convida-me para entrar, começo a repetir mentalmente o que preciso dizer, tenho medo de esquecer. Entro na sala e uma lágrima escorre, logo outras rolam pelo rosto, e um choro comovente me escapa, um choro contido, deito no divã como um feto desprotegido. Saio do consultório mais forte, mais mulher, aliviada e, prometo ao analista que da próxima vez trago tudo escrito em um papel, o analista sorri, aperta forte a minha mão e diz : Te espero na próxima sessão!

Sobrepeliz



Moro na cidade dela, o cheiro de coisa perdida que fica no ar, é o que nos faz encontrá-la.

É dela, a fantasia dos meninos da escola, que a procuram com olhos curiosos a cada dia.

É dela o casarão assombrado no meio da praça em silêncio.

É dela e só dela a solidão que faz companhia.

Moramos na cidade dela e nem nos damos conta que também somos ela, o cheiro que incomoda é o cheiro da carne, do humano, das feridas que se abrem no corpo demasiado mundano.

É ela quem vigia a cidade pela janela, é ela quem conhece os passos noturnos e as folhas que caíram das árvores no último outono.

É ela a rainha vestida de trapos no seu castelo em ruínas.

É dela as lembranças que enchem a casa de gritos , risos e lágrimas.

É dela os restos da vida que teve e é nosso o resto dela.

E no relógio de pulso já não está marcado o tempo dela, neste tempo que a fruta apodrece ela goza da eternidade.

Re-Encontro





Um sentimento estranho tem me feito companhia, uma companhia silenciosa e cortante, como uma navalha afiada. Um sentimento que é múltiplo e infindável e que jorra da mesma fonte. Um sentimento aprendido e ensinado.

E na estranheza do sentimento é que os passos foram trocados, as palavras “mal-ditas”, e na canção desentoada o par foi perdido, e no mesmo salão a música já não toca mais, mas permanece viva no silêncio que anuncia.

E o estranho sentimento me fez mulher, me mostrou faltante e me fez desejar, me permitiu sonhar com as estórias dos folhetins. O estranho sentimento me ofereceu mãos fortes que me protegeram, um olhar doce e palavras de carinho. O estranho sentimento ganhou corpo, ganhou forma, ganhou vida e alimentou a minha e se fez ausência. Ausência que tem cheiro de saudade, como o perfume bom que não sai da roupa.

O sentimento estranho chegou acompanhado, anunciado pela linda voz e pelo desejo despertado, a voz que já não se ouve, o desejo que tenta ser silenciado, mas o estranho sentimento, a espera do reencontro, espera ao meu lado.

Viva la Vida



É sempre hora de celebrar, celebra-se os nascimentos, os casamentos, celebra-se para não esquecer que está vivo, a vida arrisca-se a ficar esquecida em meio a figuras cotidianescas, então chega-se a hora de parar o constante movimento das coisas para olhar, para esta menina ou senhora, chamada Vida , e referenciá-la.

Ás vezes cuidada como uma princesa, é dirigido-lhe todo cuidado e zelo, ora torna-se plebéia nas mãos de quem não sabe o que fazer com ela.

Ontem estive em um velório, confesso que estava resistente, trago isso comigo, desde muito pequena, quando minha avó me levava contrariada a todos os velórios da cidade e , ontem me surpreendi com o que vi, percebi que as pessoas necessitam enterrar seus mortos para descobrirem que ainda estão vivas, e um gozo silencioso mantem se vivo no olhar de cada alma caridosa que permanece velando o pobre defundo, o gozo de não serem elas o corpo velado.

Em pé a olhar para o defunto, um velho que vivia sozinho, uma lágrima escorreu, não chorava por ele, este soube viver a vida, chorava por mim, me vi deitado na urna fria, eu que morria todos os dias, eu que matava os meius sonhos todos os dias, mas ainda me restava um pouco de vida, como em um tanque reserva, podia fazer diferente.

Ontem enterrei uma parte de mim, a pior, a que era desacreditada, a que não desejava nada. Agora preciso visitar a sobrinha que acabara de nascer, algo em mim também quer e precisar nascer.

Saudade...



Preciso ficar sozinha, tem coisas que clamam por solidão, preciso olhar no espelho e só me ver e me ver só, sem que tenham outros olhares a me fitar, quero derramar as lágrimas sem ter medo que molhem o pé que atravessa meu quarto, quero comer biscoitos sem me preocupar com o barulho que incomoda a cadeira ao lado, quero andar sem roupa pela casa, quero gritar, quero falar palavrões sem temer a censura, quero me fingir de louca, de santa, quero aprender a ser eu. Quero errar e começar novamente sem que eu precise de nenhuma canção.... quero ser poesia!

Quero sentir saudade, quero lhe dar nome e cheiro. Saudade do passado que insiste em se atualizar em cada fio de cabelo novo.

A minha saudade tem nome, tem nomes, é saudades. Ela me tonteia a ponto de não conseguir levantar e seguir a trilha. A minha saudade é ciumenta, é desejosa, quer corpo, é sedenta de presença. É a tempestade que se acalma com o sorriso que ecoa no silêncio da sala, trazido pelas lembranças que ainda pulsam.

Estou tão cheia de saudade que sinto não ter mais espaço em mim, a casa está cheia, o coração está cheio, na cama não cabe mais ninguém.

Tenho que ficar só, o trem vai partir e não resta mais nenhum lugar vago, o vagão está pesado de memória, e assim permanecerá, até que eu consiga me despedir de cada passageiro na próxima parada , e levar apenas uma foto que caiba no bolso da calça surrada pelos anos.

Escrita Neurótica Obsessiva.




Tenho estado sentado no sofá da minha casa, e não consigo parar de pensar, penso no que estou pensando e também no que deixo de pensar, como um boi solitário no pasto, que não para de ruminar a comida sem gosto.

Preciso escolher, mas já é tarde, não consigo sem a luz do sol, amanhã talvez eu o faça, o amanhã que nunca deixa de ser amanhã. Escolher é renunciar, recuso-me e acuso-me.

Estou me sentindo cansado, a minha energia está sendo queimada junto com a vela que clareia o monte de livros sobre a mesa, estou em luto, velando a ação que insiste em morrer no pensamento.

Com a noite vem o medo, medo da morte, a morte que vive em mim. Esses pensamentos que não cessam, preciso me livrar deles, mas se o faço, o que me resta?

Tenho sentido culpa, e esta se torna maior quando penso não tê-la. Justo eu que sempre estive no controle, sabia exatamente que peça mexer no tabuleiro de xadrez, eu que sempre fui admirado. Eu que nunca desejei muito, que fui um ótimo amante para as mulheres insaciáveis.

Que saudade das canções de ninar no colo quente e macio, o tempo que está inscrito na areia fina de uma praia deserta, ás vezes sinto os pés molhados ao acordar de um belo sonho.

Eu que tenho deixado meus afetos trancados em uma caixa escura, que eles já nem sabem mais quem são, o afeto sou eu.

Eu, servo dos pensamentos, tenho sentido o cheiro de enxofre do inferno do dever.

Justo eu que sempre paguei a conta, e permaneço em dívida, a conta que não dou conta.

A menina dos meus olhos




Tenho estado sentada na poltrona quente de um ônibus, por onde as pessoas passam, por onde as conversas ecoam, enquanto os cheiros misturados se mantém no ar. Já faço parte da velha fotografia, a minha vivacidade foi levada dentro das malas dos errantes.

Já não preciso pedir um sabor diferente a cada vez que tento fugir da rotina com um fio de esperança ,que me leva ao chão , como um cadarço desamarrado do tênis surrado pelos mesmos caminhos,já sei qual o sabor preferido, já vivi demais pra me aventurar, quero a segurança dos mesmos erros, o acerto me assusta.

Tenho a sensação de ter esgotado as possibilidades. Os sabores, os aromas, os temperamentos, mesmo com vendas nos olhos tenho percorrido o mesmo caminho.

Quero poder ver o cheiro do toque que se ouve na doce noite. Quero...quero...quero deixar de querer, tenho levado a vida com uma preguiça característica de uma ressaca alcoólica de uma noite incrível, tenho medo de não conseguir parar, ou de permanecer parada.

Quero respostas, mas o que farei delas, se o meu gabarito está preenchido errado, e as rasuras não me são permitidas. Tenho medo de ser borboleta, prefiro a segurança e isolamento de um casulo.

A noite me entristece, a beleza do céu me faz sentir pequeno, e pequena é minha alma. A menina dos meus olhos não brinca mais, a menina dos meus olhos não sonha com namorados, a menina dos meus olhos não acredita mais em mim. A menina dos meus olhos não convive com meias verdades.A menina dos meus olhos jaz em mim.

OLHAR ESTRANGEIRO




Um estranho vive em mim, alimenta-se da minha alma, dorme no meu sonho e caçoa dos meus pensamentos. Um estranho que me olha com tanto estranhamento que me parece familiar.

Um estranho tão malicioso que consegue me fazer sentir estranho, enquanto assume as rédeas mal conduzidas da minha malograda vida. Um estranho que nunca erra, porque o erro já foi cometido. O estranho dos acertos desmedidos.

Um estranho que não ama ninguém além de mim, um amor egoísta, que não aceita fim, que não aceita sim, um amor que gosta de contrariar, um amor do desagrado.

Um estranho mora em mim, e por vezes se põe a falar, as palavras como lâminas afiadas me cortam a pele e me fazem sangrar, mas no silêncio é que a dor não cessa.

Este estranho as vezes sai, vagando pelos lugares, e deixa solto em mim...um estranho vazio.

Amiga Annelisa,




gosto do que escreve, do seu jeito quieto e sabido,

gosto e odeio a psicanálise,

e juntando tudo isso dá nisso.

mas já que estamos falando de Chico, veja isso:


“Se acaso me quiseres
Sou dessas mulheres
Que só dizem sim
Por uma coisa à toa
Uma noitada boa
Um cinema, um botequim

E, se tiveres renda
Aceito uma prenda
Qualquer coisa assim
Como uma pedra falsa
Um sonho de valsa
Ou um corte de cetim

E eu te farei as vontades
Direi meias verdades
Sempre à meia luz
E te farei, vaidoso, supor
Que és o maior e que me possues

Mas na manhã seguinte
Não conta até vinte
Te afasta de mim
Pois já não vales nada
És página virada
Descartada do meu folhetim”

Quer mais histérica que a narradora dessa saga??rs E quer mais obsessivo que seu parceiro?? Meu Deus isso aqui é uma aula de psicanálise!rs
Imagine esse obsessivo e as suas prendas para a histérica, que claro, as pedras tem que ser falsas, senão ela não estaria no seu “desbancar” o outro, no seu puxar o tapete.

E “ ela dirá meias verdades”, sempre “ a meia luz”, e ainda fará o obsessivo vaidoso, dizendo que a possui.
Chico Buarque regou de sedução histérica essa letra, para no final descartar do folhetim, ser página virada, já não valer nada. Ai, triste fim, será que um dia isso tem fim?rsrs Espero...


Lívia Poleti

A Vida Imita a Arte


Teresinha
Chico Buarque
Composição: Chico Buarque/Maria Bethânia

O primeiro me chegou como quem vem do florista
Trouxe um bicho de pelúcia, trouxe um broche de ametista
Me contou suas viagens e as vantagens que ele tinha
Me mostrou o seu relógio, me chamava de rainha
Me encontrou tão desarmada que tocou meu coração
Mas não me negava nada, e, assustada, eu disse não

O segundo me chegou como quem chega do bar
Trouxe um litro de aguardente tão amarga de tragar
Indagou o meu passado e cheirou minha comida
Vasculhou minha gaveta me chamava de perdida
Me encontrou tão desarmada que arranhou meu coração
Mas não me entregava nada, e, assustada, eu disse não

O terceiro me chegou como quem chega do nada
Ele não me trouxe nada também nada perguntou
Mal sei como ele se chama mas entendo o que ele quer
Se deitou na minha cama e me chama de mulher
Foi chegando sorrateiro e antes que eu dissesse não
Se instalou feito posseiro, dentro do meu coração



Quem não se lembra da “Teresinha de Jesus”, cantada nas rodas por crianças de pés no chão e corações cheios de sonhos. Terezinha de Jesus... Podia ser do João da barbearia da esquina, ou quem sabe do Seu Manuel, padeiro lusitano, que enche os olhos e a barriga de toda a vizinhança, mas não, Terezinha é de Jesus, humano divino, que preservou sua castidade, não caiu em tentação, ideal de perfeição. Teresinha é histérica, não quer os homens de carne, osso e suor, finge tão bem que se convence que quer ter o que nunca quisera, e quando chega a ter, corre assustada.

Buarque e Bethânia se entregaram ao charme e sedução da “nossa” Teresinha ( nossa , porque cada um a tem de forma peculiar) que com poesia e em cima de um caixote de madeira anuncia aos quatro cantos a sua saga amorosa, os homens que em sua vida entraram e os que ela mandou sair.

O primeiro homem (provavelmente obsessivo) chegou pagando, presenteando-lhe na tentativa de tamponar a falta, enumerando suas qualidades e virtudes, mas Teresinha, assustou-se, era muito próximo ao que desejava , onde ficaria o gozo? Era necessário colocar este homem para fora do seu caminho, e a ele ela disse não, antes que fosse desmascarada, e que bela máscara Teresinha usava, a vida imita a arte e a arte se rendia ao espetáculo que era Teresinha.

Então apareceu o segundo, com passos pouco firmes, com a voz embriagada, desta vez, Teresinha, assustou-se menos, porque ele a deixava confortavelmente incomodada na posição de vítima, e como era bom estar ali, mas o boêmio fez sair do seu semblant, chamou-a de perdida e vasculhou o seu passado, no entanto o infeliz deste homem não dava conta da sua falta, e como lhe faltava! Ele também ouviu seu não e trocando os passos foi embora.

O terceiro, ah o terceiro! Na verdade nunca chegou realmente, nem seu nome Teresinha sabia, mas sabe que é ele que continuará esperando, aquele que vai responder a eterna questão da histérica. Sou homem ou sou mulher? O terceiro é aquele que a nomeará uma mulher e para quem não poderá dizer não. Mas e se chegar o terceiro? Pobre Teresinha! Terá que começar a esperar o quarto, enquanto arranham teu coração.

TANGO


Tenho me sentindo embriagada, á margem de um rio, a escutar uma canção que parece não ter fim, tenho dançado tango com as miragens que me assombram, arrancadas dos sonhos interrompidos. Tenho zombado, com passos desajeitados, das tragédias amorosas. E canto os amores que findaram, a culpa encarnada, o olhar que se desvia, o olhar que mente e na mentira revela sua verdade. Tenho dançado a tristeza do pensamento. Tenho desejado nuevos e Buenos Aires para encontrar o compasso perdido na melodia desencontrada do amor.

LouCURA



Não sei porque permaneço sentada no colo de quem nunca soube me embalar, porque permaneço presa a um passado que me faz ter auto piedade, o colo negado o tempo apagado me parecem pior. Não acuso de não ter tido escolhas, as tive, escolhi não tê-las e fui levando a vida assim, com uma resignação que nem os santos tiveram, abaixando a cabeça e me contentando com os trilhos deixados pelas formigas. Descobriram minhas fragilidades, e mais frágil fiquei, sentia-me como uma boneca de porcelana na mão de uma criança enfurecida. Jogaram-me pedras, e com elas construí a prisão onde fechei minha alma, acusaram-me, culparam-me e eu enlouqueci. Louca, a alma fugiu, e as pedras da prisão levantada, comecei a jogá-las na lua. Agora era forte, não olhava as formigas, queria ser estrela, e era. Saia pelas ruas, ora bailarina, ora cortesã, ouvia a música que ninguém ouvia, e que linda melodia! Os pássaros cantavam para mim, as flores me saudavam, era amada pela natureza, com ela tive um filho, que morreu logo ao nascer.Se triste, logo arrumava um jeito de inventar a felicidade, a fiz com bordados vermelhos, com latejolas brilhantes, a minha felicidade reluzia e era só minha. Louca de amor, amava as pedras e os buracos do caminho, amava o jeito torto de andar do velho da esquina, amava a amargura da mulher que nunca se casou, amava o machucado do joelho do menino arteiro. Morava nas ruas, dormia nos passeios, era amiga dos bêbados e das putas. Rodopiava pelas ruas, só sentia meu coração, não ouvia ninguém, a voz não chegava aos meus ouvidos.Mas a loucura foi se esvaecendo do meu corpo, como um mel que adoça a boca, fui sentindo as gotas do óleo da loucura secarem e, logo fui voltando a realidade, como quem acorda de um sonho, mas ainda me finjo de louca, e me divirto com o que vejo, os loucos soltos pelas ruas, com gravatas no pescoço que impedem que a loucura, o discurso delirante saia pela boca, esperam que o óleo seque sem sentí-lo correndo pelas veias.

CaOs e FrEnEsI




Hoje acordei com uma dúvida, e como fiquei feliz, eu que já não as tinha mais, não me preocupava em respondê-las, eram esquecidas. A dúvida agora me consola, tira o peso da verdade, por alguns anos evitei sair de casa, tinha medo de esquecer a verdade no meio da rua ou que alguém passasse e a levasse para longe de mim, então ficava trancada em um apartamento com olhos cautelosos nela, e ela imóvel no meio da sala, não sorria, faltava-lhe algo, eu a tinha roubado da dúvida, e ela sentia sua falta. Até então andavam de mãos dadas, freqüentavam festas, universidades, igrejas, tinham sido separadas porque eu tinha medo, medo de ser tida como tola, temia que a dúvida me fizesse duvidar do quanto me sentia boa. A dúvida me ameaçava, fazia –me sentir em carne viva, tão vulnerável. Numa manhã destas que o despertador toca na melhor parte do sonho, acordei cambaleando, olhei para sala, como sempre fazia, para me encher de verdade, e que susto! Ela não estava lá, onde estaria a minha verdade? Procurei-a nos meus guardados, atrás dos livros de psicanálise, no sofá e nada. Um sentimento de dúvida foi tomando conta de mim, duvidava que a verdade tinha me deixado, eu que tinha a amado tanto. Escutei um barulho na porta, corri para abrir, era a verdade que voltava com um olhar diferente, que o medo não deixou que eu o reconhecesse, tinha passado a noite fora, nada foi dito esta noite. Alguns meses se passaram e a minha verdade estava diferente, olhos brilhantes, que chegavam a me cegar, estava em um estado de contemplamento, e eu estava mudando com ela. Fui acordada com um ruído, caminhei ate sala, os olhos pareciam me trair, não acreditava no que via, a verdade tinha dado a luz, e estava imóvel, corri até ela, coloquei no colo, e chorei desesperadamente a sua morte mas logo fui tomada por um estado de frenesi, me senti humana, livre e,compreendi onde fora naquela noite.

AMARgo

Sou o desejo do outro embebido no que penso que sou, mesmo que seja apenas o que sinto que sou. Sei que sou, soube que fui e saberei que serei e, isso ninguém me arranca. Arrancaram me os sonhos, mas continuo sendo alguém sem sonhos, arrancaram me o amor, mas permaneço sendo alguém sem amor. A única coisa que não podem me arrancar é o “ser”, o resto não tenho tanta certeza. Já perdi tanto que estou calejada, não sinto a mesma dor, uma espécie de anestesia toma conta do meu ser e, continuo sendo... Desconheço a fonte da energia que me sustenta, às vezes acho que fica guardada atrás de um porta retrato de família sobre a mesa de centro, esquecido dos olhares e cheio de poeira. Quantas vezes me senti cansada de andar, sentada numa cadeira de balanço, com um grito silenciado nos olhos cheios de lágrimas, que não conseguem cair por amor aos olhos tristes que lhe deram vida. Sinto o peso nos ombros que me rouba o sorriso do rosto, o peso de não ter siDo sendo o que desejava ser. Desejei quando ainda acreditava que os pais tinham fantasias de super-heróis guardadas em um baú no porão velho e escuro da casa. Preciso tanto de um sopro de vida, sopraram me tanto, que me tiraram do caminho, estou perdida e já não sei se quero me encontrar. Tenho medo do que verei, evito espelhos, tirei todos do meu quarto, eles me afrontavam, como eram cínicos aqueles espelhos, decidi então me livrar de todos, mas eles me perseguem, vejo os em todos os lugares e, logo desaparecem antes que eu consiga quebrá-los. Ontem inesperadamente tive um sonho, sonhei que ontem era hoje e, hoje não sei se estou vivendo o resto do sonho de ontem. Estou perdida no tempo, sinto que um velho relógio sem corda está preso a um cavalo selvagem que galopa enlouquecido pelos pastos. O relógio está parado, não consigo ver as horas que os ponteiros marcam, sinto que se conseguir ver ele volta a funcionar, e aí o que farei com as horas que ainda me restam? Se tenho passado a vida contando os segundos e ouvindo um “ tic- tac “ que não sai da cabeça. Quantas primaveras passaram sem que eu sentisse o perfume das flores. Quando caminho pelas ruas sinto que as flores se fecham, carrego nos passos uma maldição lançada quando resolvi começar a sonhar, maldição esta que se quebraria com o verdadeiro amor, e esse me foi negado, quebrado está meu coração e não consigo mais lhe colar os pedaços. Neste momento escuto um pássaro, e não quero saber o que canta e nem se está triste porque a amada o deixou, não quero ouvir ninguém, o mundo me parece incompreensível. As palavras, quanta mágoa tenho delas, elas que me feriram, traíram -me , agora me recuso a dizê-las, estou ilhada no silêncio que me atormenta. Sinto que as palavras querem sair, não sei por quanto tempo vou conseguir deixá-las presas e inaudíveis.
Um sonho ainda me resta, , como um prêmio de consolo ao último competidor, sonho em ter meus sonhos de volta, sonhos roubados, perdidos, esquecidos ao lado das pedras soltas no caminho. Por enquanto fica o gosto amargo do café frio esquecido na garrafa e, na boca um cigarro queimando sem ter forças para tragá-lo, como fiz com a minha vida e, há de ficar o gosto, só o gosto que logo o tempo se encarregará de ser esquecido.

JOGO DE AZAR




Às vezes acho que as palavras estão me esgotando, verifico minhas lembranças, algumas pouco nítidas, como uma fotografia velha que o tempo apagou a cor e sobrou apenas borrões, assim tenho levado a vida, reconhecendo borrões. Quis ser feliz, e fui enquanto quis, hoje não tenho forças para querer.Vejo uma criança brincando, ela sorri pra mim, um sorriso de compaixão e condolência, sabe que a minha criança não está mais viva, enterrei –a junto com o meu primeiro cachorrinho no quintal da antiga casa dos meus pais.Recordo as tardes que subia nas árvores, não para apanhar frutas, mas para procurar a finitude das coisas, queria tanto saber o que estava atrás do morro, e achava que quando me tornasse adulto saberia e andaria por terras até então desconhecidas, hoje não subo em árvores, mas vou a igreja todo Domingo, ainda quero saber o que está por de trás do morro. As estórias da minha avó já não me fazem sorrir, não me divirto ouvindo-as enquanto rapo o tacho de goiabada, as estórias da minha avó me fazem chorar, chorar de saudade do tempo, que tento recuperar inutilmente folheando um antigo álbum de fotografias.Ouvir música também tem me feito chorar, sinto que cada melodia me diz o que preciso ouvir e com tal delicadeza, que a doçura me comove.Hoje acordei com saudade, saudade do que sonhei, queria tanto levá-lo comigo, mas a cada instante uma imagem me escapa da memória, os rostos se confundem na multidão e no instante já não há mais ninguém, apenas o ruído dos que passaram por ali, tenho que aprender a ser só, mesmo quando a companhia dos sonhos esquecidos me conforta. Algo permanece guardado e, ás vezes, por deslize do velho de barbas brancas e charuto, que cochila depois de beber uma dose, escapa e, aparece no sonho, mas logo vem o velho novamente cambaleando e me rouba o sonhado. Não sinto raiva do velho, se esconde é porque quer me proteger, e permanece sentado numa poltrona furada em um quarto da casa que um dia pensei que fosse minha. Surpreendi –me certa noite a olhar desejosamente o olhar de alguém, senti vivo, humano, e que o maior acerto era naquele momento cometer erros, queria me declarar, entregar-me. As afinidades eram tantas que só podia ser ela uma extensão do que eu era. Virei o copo, enchi o peito de ar, soltei-o como quem perde dinheiro na rua, ensaiei algumas palavras e... pedi um táxi, era covarde, não gostava de correr riscos, preferia levar para casa a possibilidade, passei a vida vivendo possibilidades que nunca deixaram de ser apenas possibilidades, como em um jogo de dado, em que o número nunca sai, portanto ia encher algumas semanas da minha intolerável rotina de fantasias, a noite que foi interrompida por uma vírgula, por falta de coragem de um medíocre escritor que não soube dar lhe um final melhor.

" Com Pulsão"



Domingo fui ao shopping e mais uma vez não me contive, acabei entrando na livraria. Descobri há alguns anos que tenho compulsão por livros, quero todos, tenho fome de saber, quero alimentar a alma. Os livros me fazem companhia, consolam-me, ás vezes durmo com algum na mão e este torna-se meu amante e divide comigo a cama durante as noites frias. Às vezes, sinto saudade, pego um livro na mão e ela se acalma dentro do peito. Estes dias encontrei uma caixa de livro, a poeira me fez ter um ataque de espirros, em cada um deles era uma angústia colocada a pontapés para fora, os livros sabem do que preciso, compreendem-me, fazem-me bem. Mas voltando a livraria, se é que consegui tirar meus pensamentos de lá, estava em um estado de encantamento ( é assim que fico quando rodeada por livros) quando saltou aos meus olhos a imagem de um homem com elegante vestes e, um olhar misterioso. Ele olhava os livros com tanto amor, reconheci aquele olhar, um dia vira o mesmo olhar em um espelho do quarto, quando acabara de ler o meu primeiro romance. Não conseguia tirar os olhos daquele homem, pela primeira vez os livros ficaram em segundo plano. O homem pegou um livro na mão, e tateou a capa e eu me senti tocada por ele, sentia a sua mão no meu corpo, uma mão quente e pesada, nunca tinha sentido aquela sensação. O homem não me olhava, mas eu sentia teu olhar e tinha a impressão de que ele conseguia ler a minha alma, todas as linhas e até as que tentei apagar e, fiquei assustada tinha medo de ser colocada em uma caixa, logo que chegasse na página final, mas como adiar o fim? Quis correr, mas as pernas não me obedeceram. O homem foi se aproximando de mim e com uma voz doce e delicada, voz que soava tão familiar, acho que havia sonhado com ele, perguntou-me o meu nome, não consegui dizer estava paralisada, ele sorriu e me convidou para um café, eu disse sim com os olhos, pegou-me pelo braço e me conduziu a uma cafeteria muito charmosa. Ele não disse nada, apenas sustentava o olhar e, eu também permaneci em silêncio, desejava decifrá-lo, mas não me importava se fosse também devorada.Queria conhecer a sua história, as suas vírgulas, suas exclamações e interrogações, portanto temia o ponto final. Estava em um estado de júbilo de completude, que qualquer palavra estava arriscada a se apresentar imprópria, aquele momento era uma página em branco no meio do livro, onde podia se escrever a mais linda história de amor, e também a mais trágica, mas a possibilidade me atraia e como me atraia. Queria ser lida com as mãos, desejava que a claridade que emanava do meu coração lhe cegasse os olhos, que instante mágico e raro foi aquele, as pessoas ao redor foram transferidas para outros livros, o nosso pertencia apenas a nós, éramos o que queríamos ser, escrevendo um romance a quatro mãos. O fim do café fez com que eu desejasse naquela tarde beber todo o café do mundo, mas ele despediu-se de mim e foi embora sem me dizer nada, nem mesmo soube seu nome. Agora descobri que tenho compulsão por café, quero conhecer todos os aromas, todos os sabores e todas as cafeterias da cidade.