segunda-feira, 12 de julho de 2010

JOGO DE AZAR




Às vezes acho que as palavras estão me esgotando, verifico minhas lembranças, algumas pouco nítidas, como uma fotografia velha que o tempo apagou a cor e sobrou apenas borrões, assim tenho levado a vida, reconhecendo borrões. Quis ser feliz, e fui enquanto quis, hoje não tenho forças para querer.Vejo uma criança brincando, ela sorri pra mim, um sorriso de compaixão e condolência, sabe que a minha criança não está mais viva, enterrei –a junto com o meu primeiro cachorrinho no quintal da antiga casa dos meus pais.Recordo as tardes que subia nas árvores, não para apanhar frutas, mas para procurar a finitude das coisas, queria tanto saber o que estava atrás do morro, e achava que quando me tornasse adulto saberia e andaria por terras até então desconhecidas, hoje não subo em árvores, mas vou a igreja todo Domingo, ainda quero saber o que está por de trás do morro. As estórias da minha avó já não me fazem sorrir, não me divirto ouvindo-as enquanto rapo o tacho de goiabada, as estórias da minha avó me fazem chorar, chorar de saudade do tempo, que tento recuperar inutilmente folheando um antigo álbum de fotografias.Ouvir música também tem me feito chorar, sinto que cada melodia me diz o que preciso ouvir e com tal delicadeza, que a doçura me comove.Hoje acordei com saudade, saudade do que sonhei, queria tanto levá-lo comigo, mas a cada instante uma imagem me escapa da memória, os rostos se confundem na multidão e no instante já não há mais ninguém, apenas o ruído dos que passaram por ali, tenho que aprender a ser só, mesmo quando a companhia dos sonhos esquecidos me conforta. Algo permanece guardado e, ás vezes, por deslize do velho de barbas brancas e charuto, que cochila depois de beber uma dose, escapa e, aparece no sonho, mas logo vem o velho novamente cambaleando e me rouba o sonhado. Não sinto raiva do velho, se esconde é porque quer me proteger, e permanece sentado numa poltrona furada em um quarto da casa que um dia pensei que fosse minha. Surpreendi –me certa noite a olhar desejosamente o olhar de alguém, senti vivo, humano, e que o maior acerto era naquele momento cometer erros, queria me declarar, entregar-me. As afinidades eram tantas que só podia ser ela uma extensão do que eu era. Virei o copo, enchi o peito de ar, soltei-o como quem perde dinheiro na rua, ensaiei algumas palavras e... pedi um táxi, era covarde, não gostava de correr riscos, preferia levar para casa a possibilidade, passei a vida vivendo possibilidades que nunca deixaram de ser apenas possibilidades, como em um jogo de dado, em que o número nunca sai, portanto ia encher algumas semanas da minha intolerável rotina de fantasias, a noite que foi interrompida por uma vírgula, por falta de coragem de um medíocre escritor que não soube dar lhe um final melhor.

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